«O Dia Maldito»
A propósito do último jantar e das referências à influência norte-americana na América Latina, cito um excerto do chileno Luís Sepúlveda de «O Dia Maldito», no seu novo livro «Uma História Suja»:
«Há trinta anos que carrego com esta data maldita como uma lápide que um país, os Estados Unidos, colocou sobre a minha juventude e sobre milhares que eram como eu. Porque o golpe militar fascista que acabou com a democracia no Chile não foi ideia de Pinochet nem dos outros traidores a um juramento, nem sequer foi apenas responsabilidade de Kissinger, o próximo que deverá sentar-se diante do Tribunal Penal Internacional, nem apenas de Nixon, o grande farsante dos anos setenta. Os que decidiram esmagar a democracia chilena são os mesmos que agora arruinaram a Argentina, o Uruguai, a Argentina, talvez o Brasil, porque sabiam que o jogo limpo da democracia nunca lhes teriam permitido implantar modelos económicos baseados na negação de todos os valores da civilização ocidental, à qual nós, os cidadãos do terceiro mundo, também temos direito. A grande tragédia do fim do século XX e do século XXI começou no Chile, porque o meu país foi o campo de experiência, o precedente que mais tarde fez com que Margaret Thatcher e Ronald Reagan considerassem possível o império do mercado acima da ética, do darwinismo económico acima da legítima ideia de igualdade de possibilidades.
No Chile começou a experiência global que desnaturalizou a política, que corrompeu «a arte do possível» e impôs a força como único argumento do poder. É essa a grande derrota da minha geração, é essa a minha derrota de cidadão do mundo, e pesa como uma lápide que renova a sua carga em cada 11 de Setembro.
Há um ano, a essa data maldita juntou-se a tragédia previsível de Nova Iorque, porque não era necessário ser um grande estudioso dos problemas do Médio Oriente para saber que os Estados Unidos tinham desencadeado uma força de ódio incontrolável, educando terroristas no Afeganistão, apoiando os sátrapas da Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, lugares no planeta onde não é respeitado nem um único dos Direitos Humanos, e avalizando a política racista da direita de Israel. A política internacional dos Estados Unidos sempre foi a política de uma nação sem história, de clãs ligados ao poder económico, ou de lobbies que ditam as decisões do governo. O unilateralismo de George Bush não é novo, obedece a uma forma tradicional do ser norte-americano, egocêntrico e ignorante, a uma convicção de que a lógica não é um exercício da razão mas, sim, um cálculo de lucros para o clã que ocupa o poder.»
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